Conversão de CPAP em Ventilador de Emergência

AVISO OBRIGATÓRIO

Esta modificação de equipamento é um apenas uma prova de conceito, não deve ser utilizado para o tratamento de COVID ou qualquer outra doença respiratória. Seu uso não foi devidamente comprovado por médicos e especialistas.

Introdução

Como podemos observar na mídia, os ventiladores são um recurso escasso nos hospitais. Vários projetos visam ajudar com isso, utilizando ventiladores de emergência, como:

USP https://jornal.usp.br/ciencias/ventilador-pulmonar-emergencial-criado-por-engenheiros-da-usp-e-aprovado-nos-testes/

Mauá https://www.facebook.com/watch/?v=230305984754118

MIT https://www.techtudo.com.br/noticias/2020/03/mit-desenvolve-ventilador-barato-para-ajudar-no-tratamento-da-covid-19.ghtml

Inspirado por estes projetos eu procurei uma maneira de ajudar, e encontrei o projeto AIRBREAK (https://airbreak.dev/) e resolvi fazer um post descrevendo os passos para a conversão de um CPAP em um ventilador de emergência.

Para os que não conhecem o CPAP é um equipamento utilizado no tratamento de apnéia e disturbios do sono. CPAP é a abreviação de “Continuos Positive Airway Pressure“, simplificando, é um equipamento que gera um fluxo constante de ar.

Um ventilador é um equipamento muito mais complexo, com sensores e modos de operação bem distintos, e o pessoal da Airbreak descobriu que uma marca de CPAPs (Autosense 10) poderia ser utilizada para isto. Embora de fábrica ele venha configurado para fornecer pressão de no máximo 20cm/H2O, ele consegue fornecer de 4 a 30cm/H2O, e possui todos os sensores e modos de operação necessários para funcionar como ventilador de emergência.

Então você me pergunta, se ele pode ser utilizado no início da falta de ar, porquê ele não é utilizado? O motivo principal é que diferente do ventilador com entubamento (invasivo), ele não é um sistema fechado.
A respiração escapa pelas laterais da máscara, portanto ele pode proliferar o vírus no ambiente, o que é um problema grande para hospitais onde há outros pacientes com diferentes doenças. Nos Estados Unidos, eles chegaram à conclusão que isso pode ser controlado com as devidas medidas em ambientes monitorados e com pacientes que já possuem covid, e com equipamentos e filtros que diminuem essa exposição aos funcionários. (https://www.businessinsider.com/nyc-hospital-mount-sinai-turns-sleep-apnea-machines-into-ventilators-2020-4)

O hospital Mount Sinai de Nova Iorque desenvolveu um protocolo para a utilização deste tipo de equipamento no tratamento de covid, contendo quais as modificações que devem ser feitas e quais as ações a serem feitas pelos funcionários, assim como as configurações a serem utilizadas:

https://rtsleepworld.com/wp-content/uploads/2020/04/Mt-Sinai-bipap-protocol.pdf

Instruções para conversão

O ideal é que a pessoa siga os passos do website AIRBREAK, mas aqui eu vou colocar alguns videos e instruções com dificuldades que encontrei no caminho.

Preparação

  • Retirar a capa frontal
  • Retirar 4 parafusos que prendem a tampa e remover a tampa
  • Retirar capa externa
  • Retirar Dial e tampa
  • Desconectar os conectores do humidificador e acesso celular

Conexão JTAG

Agora vem a parte um pouco mais complicada. Este CPAP possui somente os pads para um conector pequeno e bem peculiar. Eu procurei o cabo específico (TC2050-ICD-NL) mas ele não existe no Brasil, e lá fora custa 39 dólares!. Eu resolvi soldar os fios diretamente nos pads, pois ví que o pessoal lá fora também estava fazendo isso, mas eu devo dar um aviso importante: Os pads são MUITO pequenos e sensíveis. Mantenha o CPAP numa base firme, pois eu o derrubei, os fios bateram e arrancaram dois pads, quase colocando tudo a perder. Depois do susto, respirei com calma, estanhei um fio bem fino de cobre e soldei numa via, restaurando a conexão, portanto tenha cuidado!

PINAGEM DA PLACA

Como eu utilizei um clone do STLINK v2 para fazer a gravação do firmware, são utilizados apenas 4 pinos. Os pinos utilizados são o 2 (STM32_SWDIO), 4 (STM32_SWCLK), 5 (GND) e o 10 (STM32_NRST). Se você possuir o stlink original , pode utilizar o quinto pino, 1 (STM32_VDD) no 3.3v, mas somente se for original, pois poderá queimar algo. Na dúvida, não conecte.

Por fim é uma boa idéia retirar o SDCARD que vem inserido no equipamento. Durante os meus testes eu tive problemas com o aparelho reiniciando o tempo inteiro, e no github me aconselharam retirar o sdcard e funcionou. Eu também mudei a linguagem de português para inglês e resetei para os valores de fábrica.

Software e programação

Eu não preciso nem dizer que você DEVE seguir os passos do site do AIRBREAK (https://airbreak.dev), mas vou deixar aqui registrado algumas observações:

  • Antes de começar você deve verificar qual a versão do firmware. O airbreak atualmente suporta a versão 306 e a 401. Se o seu equipamento for de uma versão diferente, será mais difícil, você deve entrar em contato com eles pelo github e pedir ajuda, mas os caras são super solícitos e ajudam bastante. Para ver o número da versão você deve pressionar o botão inferior e o botão do Dial por 3 segundos. Isso faz aparecer o menu clínico, que possui mais informações.
  • Utilizei o ubuntu 18.04 atualizado
  • Clonar o repositório do github, e é sempre bom dar uma olhada na lista de issues do github, há muitas informações valiosas lá.
  • No que se refere à dependências como o openocd e o toolchain arm, os pacotes padrão do ubuntu não funcionam, tem que compilar e instalar do código fonte. Prestar atenção nas dependências necessárias do stlink para o openocd, visíveis ao se dar configure.
  • Próximos passos estão descritos aqui: https://airbreak.dev/firmware/
  • Testar a conexão do stlink com o openocd.
  • Com a conexão funcionando, fazer o dump do firmware original é trivial, e qualquer problema tudo pode ser facilmente revertido.
  • Gerar o checksum do binário (sha256sum).
  • Se você rodar o script patch-airsense e o checksum não bater, então você pode modificar o script para aceitar o checksum. Note que essa modificação deve acompanhar a lógica da versão de firmware (306 ou 401)
  • Como a minha versão de script era a 306, e a versão oficial é a 401, ao conversar com um dos desenvolvedores, David Blunk, ele me aconselhou utilizar este patch (https://github.com/dblunk88/airbreak/blob/master/patch-airsense)
  • Executar o script de patch
  • Gravar o novo firmware no equipamento também foi trivial.
  • Testar.

Testes

Para testar, entrar no menu clínico e escolher o modo iVaps. Colocar a máscara e perceber que no momento que ocorre uma tentativa de respiração ele empurra mais ar. Outro modo a ser utilizado é o ST (Bipap-ST).

iVAPS mode unlocked

Eu não sei como é a máscara que vem com ele, eu utilizei uma máscara facial boa que comprei à parte, só sei que é importante uma máscara com boa vedação e adequada ao formato do seu rosto. Costuma-se medir a distância entre o canal lacrimal do olho e o meio do queixo (1cm abaixo do lábio) para escolher a máscara.

Lembrando que você pode a qualquer momento restaurar o firmware e voltar o equipamento exatamente ao mesmo ponto que estava.

Você pode conferir a análise de performance do aparelho que o pessoal do AIRBREAK fez aqui: https://airbreak.dev/evaluation/

Considerações Finais

Você pode encontrar problemas diferentes dos que eu encontrei, tente primeiro checar as issues do github, e se não estiver lá não se acanhe e pergunte no fórum. Se você é um programador embeded experiente, ajude o pessoal lá do Airbreak, vamos devolver para a comunidade. 🙂

Como eu disse no começo do post, isto é uma prova de conceito, eu não endosso o seu uso em nenhum tratamento. Se você é médico ou de um hospital ou instituição e deseja fazer testes clínicos ficarei grato em ajudar.

Este é o tipo de ferramenta que a gente constrói para nunca ter que usar.

Abraços,

Ricardo Andere de Mello (gandhi) – quilombodigital@gmail.com

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